04 junho 2007


Está sendo veiculada a campanha Diga não à obesidade infantil. Em paradas de ônibus de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte elas já podem ser vistas. Ok, estou ciente da “problemática” que envolve essa questão. Nossas crianças (assim como os adultos…) estão engordando. E isso, conforme pesquisas que vêm sendo realizadas, causa muitos danos à saúde, tais como diabetes, hipertensão, colesterol, problemas cardiovasculares, etc. Um dos problemas, creio, está no sentido da palavra causa, significando que a obesidade produz certo efeito, no caso, doenças diversas e, pior, ainda até a morte.

Nisso está relacionada a questão do risco (discutido por autores como Ulrich Beck, Paulo Vaz, entre outros, os quais preciso estudar), onde podemos encontrar algumas idéias sobre como as transformações sociais estão gestando esse tipo de discurso do “terror” quando o assunto é a obesidade. Cabe salientar, ainda, que o risco é uma probabilidade. Logo, campanhas de “terror” como essa serve para mostrar aos indivíduos o quanto o risco afeta a todos, embora em graus diferenciados. Para haver risco é necessário, ainda, haver a possibilidade de escolha para, aí, poder ser tomadas decisões “adequadas” ou não. A responsabilidade é, assim, direcionada a cada indivíduo. No caso de crianças, que são o alvo da referida campanha, a responsabilidade é posta aos pais e dos professores – aliás, coitadas de nós, professoras, quanta responsabilidade… parece que tudo depende da educação escolarizada –, como está descrito no site:

O Brasil já tem cerca de 6 milhões de crianças obesas, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, e hoje essa doença é a maior ameaça à saúde pública brasileira. Uma das principais maneiras de combatê-la é a mudança de comportamento, principalmente pais e professores.

Outra grave problema é a estigmatização que essas crianças, “gordas”, sofrem. Com campanhas como essa isso tende a se acirrar, pois os discursos da saúde estão permeados por questões morais, as quais envolvem valores e normas. Desse modo, combates à obesidade tendem a se tornar, também, combates aos obesos, que sofrem com os estereótipos, estigmas, preconceitos…

12 abril 2007

Estereótipos, preconceitos e hábitos

"Os estereótipos são os lugares comuns do discurso, o que todo mundo diz, o que todo mundo sabe. Algo é um estereótipo quando convoca mecanicamente o assentimento, quando é imediatamente compreendido, quando quase não há nem o que dizer. E grande é o poder dos estereótipos, tão evidentes e tão convincentes ao mesmo tempo. Os preconceitos são os tópicos da moral, o que todo mundo valoriza igualmente, as formas do dever que se impõe como óbvias e indubitáveis. E grande é também o poder dos preconceitos. Os hábitos são os automatismos da conduta. O que se impõe em relação à forma de conduzir-se. Os procedimentos que fabricam os estereótipos de nosso discurso, os preconceitos de nossa moral e os hábitos de nossa maneira de conduzir-nos nos mostram que somos menos livres do que pensamos quando falamos, julgamos ou fazemos coisas. Mas nos mostram também sua contingência. E a possibilidade de falar de outro modo, de julgar de outro modo, de conduzir-nos de outra maneira." (LARROSA, 1994, p.83-84).

REFERÊNCIA:

LARROSA, Jorge. Tenologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994.

05 abril 2007

No que consiste o feminismo?

Dotá-lo, como rotineiramente é feito, como uma mera oposição, confronto entre feministas e homens é, certamente, uma estratégia útil se o objetivo for desqualificar esse articulado grupo.Ontem, no dia internacional da mulher, visitei vários blogs que estavam participando da blogagem coletiva proposta pela Denise Arcoverde, do Síndrome de Estocolmo. Para minha alegria - e também como uma oportunidade de aprendizagem -, li ótimas discussões sobre tal tema, com abordagens que tratam o feminismo como um posicionamento em prol da construção de modos de vida outros para as mulheres e, também, para os demais habitantes desse nosso “maluco” mundo.Assim, e como o objetivo aqui é n-o-m-a-d-i-z-a-r o pensamento (o meu, principalmente) compartilho o seguinte trecho:

"o feminismo, […] movimento que nasce no século XIX, caracteriza-se por uma intensa preocupação em criar novos espaços sociais e outras condições subjetivas para as mulheres, na luta contra os modelos de feminilidade impostos pela dominação classista e sexista. Desde as primeiras manifestações pelo direito de voto, ou reivindicando igualdade de salários para as mulheres, as feministas lutaram para alterar as condições de formação e educação das meninas e moças, incitando-as a que procurassem constituir-se autonomamente, rejeitando as sujeições cotidianamente impostas pelo sistema patriarcal e experimentadas na própria carne. Críticas da definição biológica da mulher como estreitamente vinculada ao útero, da maternidade obrigatória e da mistificação da esfera privada do lar, elas têm lutado para que outras formas de invenção de si se tornem possíveis para as próprias mulheres." (RAGO, 2006, p.166).

Isso tudo me lembra a célebre frase de Simone de Beauvoir: “não se nasce mulher, se faz mulher”. Logo, “ser” mulher é algo que passa pela fabricação nas redes da cultura, o que justifica a multiplicidade de modos de “ser” (ou melhor, estar sendo) mulher…

REFERÊNCIA

RAGO, Margareth. Foucault e as artes de viver do anarco-feminismo. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

08 março 2007

Mulheres! A que estamos sujeitas? O que nos assujeita? A luta continua...



Somos assujeitadas a que, ainda, na atualidade? Impossível, obviamente, imaginar-nos livres de sujeições (aquilo que subjaz a nós, nos tornando sujeitos disso. Sub – baixo; Jectus – jazes → jaz por baixo). Dentre um dos mais centrais assujeitamentos contemporâneos creio que estão os discursos – advindos de diferentes áreas do conhecimento como da saúde, psicologia, educação física, etc. – que produzem e veiculam discursos normativos sobre o corpo, os quais nos posicionam numa posição de mulher-corpo “naturalizada”.

Esse binômio mulher-corpo, aliás, é acionado sobre a divisão binária entre imanência e transcendência em que homens e mulheres são imaginariamente partidos. Estando, nos discursos de modo geral, a imanência (enquanto aquilo que está na materialidade, que é corpóreo) ao lado das mulheres e a transcendência (ligado ao incorpóreo, ao espírito, à razão) ao lado dos homens, somos relacionadas ao espaço privado, doméstico, da maternidade, intuição, passividade, emoção, enquanto os homens são incluídos no espaço público, como sendo dotados de razão, da ação... Embora essas sejam “cristalizações da imagem” que vem sendo constantemente questionadas e problematizadas (obrigada feministas!), elas ainda persistem de uma forma bem astuciosa, e para atentar a isso basta analisar criticamente algumas pedagogias contemporâneas como: certos programas televisivos, campanhas publicitárias, revistas, músicas, filmes, etc.

Tanto a divisão binária referida quanto a idéia de que “as mulheres não tem um sexo, elas são um sexo” (leia mais), analisada por Colette Guillaumin, atrela, assim, os significados do “ser mulher” ao corpo. O corpo das mulheres é, desse modo, transformado em sexo. Aí podemos encontrar, então, uma das principais condições de possibilidade para o centramento dos discursos corporais normativos sobre as mulheres (embora o seu delineamento aos homens não seja nem um pouco desprezível). Ora, as exigências estéticas são mais endereçadas ao gênero feminino por uma série de razões, entre elas o fato das mulheres serem postas como responsáveis pela sedução e erotismo nas relações amorosas e sexuais – pois é o seu “corpo” que parece predominar como alvo preferencial nas aproximações com um par amoroso ou sexual. Nesse sentido, propagandas de cervejas vêm sendo pródigas nessa criação das imagens das mulheres atreladas ao corpo e ao sexo.

Importante salientar o quanto somos assujeitadas por padrões de beleza, juventude e, assim, de corpo. Plásticas, próteses, dietas, musculação são palavras que fazem parte do repertório de um número incalculável de mulheres – e também de homens, sabemos. Até aí, tudo bem. O complicado é que esses são imperativos que funcionam como uma dobra, uma vez que internalizamos o que vem “de fora” para “dentro”, nos produzindo e nos tornando sujeitos desses aprisionamentos. Por isso a urgência das perguntas: precisamos disso? Dependemos do olhar dos outros? Dependemos desses julgamentos? É nisso que consiste uma possibilidade de felicidade (alicerçada numa suposta “liberdade” de gerir e transformar o corpo que, ao mesmo tempo, nos submete a tantos controles mesmo após a “aposentadoria” dos espartilhos)?
Dito isso, nada mais enjaulador dos modos de viver a “condição de mulher” do que os discursos que dizem de nós ao dizer sobre o nosso corpo. Cada vez mais o mundo é atravessado por morais que tratam desse domínio. “Emagrecer só depende de você”, “não há como ser gorda e ser feliz”, etc., são frases que costumo ler em comunidades do orkut sobre emagrecimento, pró-ana e mia, entre outras, e também em blogs de emagrecimento da web. Um tipo de moral que se aciona a centralidade da aparência para os sujeitos contemporâneos. Cada vez mais parecemos ser aquilo que aparentamos. Então, estar gorda, por exemplo, demonstraria uma negligência de si, uma falta de vontade, de autocontrole sobre si, sobre a sua vida.
Tânia Swain diz que “vivemos em meio a condições de possibilidade, condições de imaginação...”, então que tal aproveitarmos esse dia e todos os demais para, cotidianamente, rompermos fronteiras, amarras e amordaçamentos que nos convocam a sermos assujeitadas à tríade mulher-corpo-sexo? Cada vez mais parece necessário enfrentar o poder onde ele é mais insidioso, que é na produção de modos de vida que ele produz.
Certamente temos muito que comemorar hoje, pois as mulheres de outras gerações e as nossas – assim como as que virão, espero - vem modificando muito o mundo que vivemos, conquistando os seus espaços e possibilitando, com muita luta, que nos seja possível falar abertamente... De outro lado, afirmar isso não significa ficar inerte, pois temos ainda muitos motivos para continuar a lutar bravamente. E lutar contra os nossos assujeitamentos é algo que não parece ser possível sem uma ética (e aqui). Expressão que tem a ver, fundamentalmente, com as formas com que damos às nossas vidas. Ética enquanto uma produção crítica de si mesmo, é disso que necessitamos. Colocar na roda a “problematização” constante do que estamos nos tornando... Então: Mulheres! A que estamos sujeitas? O que nos assujeita? A luta continua...

Materiais sobre o tema:

1.
Cadernos Pagu, que pretende "Contribuir para a ampliação e consolidação do campo de estudos de gênero no Brasil, através da veiculação de resultados de pesquisas inéditas e de textos ainda não traduzidos no país, viabilizando, assim, a difusão de conhecimentos na área e a leitura crítica da produção internacional."
2.
Revista Estudos Feministas, cujo objetivo é "Divulgar a vasta produção de conhecimento no campo dos estudos feministas e de gênero, buscando dar subsídios aos debates teóricos nessa área, bem como instrumentos analíticos que possam contribuir às práticas dos movimentos de mulheres."
3. Revista
Labrys.
4. Artigo
Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional, de Ana Márcia Silva.
5. Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE).

IMPORTANTE: post inspirado pela blogagem coletiva proposta pela Denise Arcoverde, do Síndrome de Estocolmo. :-)

21 fevereiro 2007

Este questionário está rodando por aí. Li, gostei e resolvi participar também:

3 nomes pelos quais você atende:
1) Viviane
2) Ví
3) Vivi

3 nomes pelos quais você não atende:
1) Querida
2) Senhora
3) Tia

3 nomes de tela:
1) Viviane
2) vipoa2002
3) Êfemera

3 coisas que você gosta em você:
1) senso de justiça
2) sensibilidade
3) tranqüilidade

3 coisas que você não gosta em você:
1) timidez
2) insegurança
3) ser uma chorona inveterável

3 partes da sua herança genética:
1) africana
2) italiana
3) cigana

3 coisas que assustam você:
1) violência
2) altura
3) morte

3 coisas essenciais no seu dia:
1) dormir
2) internet
3) carinho

3 coisas que você está vestindo agora:
1) blusa de alça (cor salmão)
2) bermuda rosa
3) chinelo bege

3 dos seus artistas/bandas favoritos:
1) Alejandro Sanz
2) Oswaldo Montenegro
3) Adriana Calcanhoto

3 das suas canções favoritas:
1) Esquadros, Adriana Calcanhoto
2) Bandolins, Oswaldo Montenegro
3) Dangerous, Roxette

3 coisas que você quer tentar nos próximos 12 meses:
1) estudar línguas
2) fazer musculação
3) conseguir um bom emprego

3 coisas que você vai fazer nos próximos 3 meses:
1) terminar a dissertação
2) ler
3) ficar chateada porque a “coisa” um não está do jeito que eu quero

duas verdades e uma mentira:
1) eu quero emagrecer
2) quero dormir cedo
3) nunca fiz tricot

3 nomes de filhos:
1) Analuz
2) Leonardo
3) Isadora

3 coisas que simplesmente você não consegue fazer:
1) andar de patins, skate
2) ver menos TV
3) ficar menos na web

3 hobbies favoritos:
1) navegar na web
2) ver filmes
3) viajar!

3 coisas que você quer fazer antes de morrer:
1) viajar pelo mundo inteiro
2) fazer mais pessoas felizes
3) cruzar a américa do sul a la che guevara (só não de moto, tenho medo!)

20 fevereiro 2007

Das muitas faces humanas

Não sei por que eu ainda me surpreendo, mas deve ter relação com algo como esperança. Esperança de que a solidariedade humana tenha mais ascensão em meio a tanto individualismo reinante. No site da Zero Hora havia uma enquete (com três opções) com a seguinte questão:

Na quinta-feira, a ONU estendeu em mais oito meses a missão no Haiti. Até quando o Brasil deve manter tropas nesse país do Caribe?

1) Até quando for necessário. O Brasil tem obrigação de ajudar as nações amigas mais pobres.

2) Está na hora de voltar.

3) Nem deveríamos ter ido. O Brasil tem problemas mais importantes para resolver.


Vendo os resultados, a primeira opção tem 26,95% de votos até o momento, a segunda 7,03% e a terceira 66,02%.


Pensamentos como esse mostram o quanto a solidariedade está em baixa, por um lado. De outro, o quanto a resistência a esse modo de pensar também é recorrente, pois com olhar esperançoso dá para ver que a primeira opção não está tãaaaaaaaaao mal. O importante de salientar é o tipo de imaginário social que se "apossa" de nós, tornando possível que modos de pensar como esses se proliferem.

Um pensamento ético entra nisso, pois na maioria de votos para a terceira opção está embutido que problemas individuais, em suma, seriam de responsabilidade individual também. Ou seja: por que contribuir com o Haiti? Eles é que se arrumem, não temos nada a ver com isso! Ou, ainda: já temos problemas demais aqui para ajudar outros países, isso não é certo... Com esse tipo de pensamento ainda esperamos que os países mais abastados estendam as suas riquezas além das suas fronteiras...

Creio que enquanto seres humanos a responsabilidade de uns por outros não é algo que deve ser limitado a pares amorosos, a núcleos familiares (algo tão forte na moral burguesa), ou qualquer outro tipo de fronteiras que servem para delimitar os "de dentro" e os "de fora". Bom seria se todos ajudassem todos, pois assim, certamente, teríamos um mundo melhor. Bem, uma boa dose de utopia acho que ajuda a suportar um pouco mais esse mundo, que se transveste de faces às vezes tão cruéis. Isso porque mais do que uma simples resposta na enquete, a resposta mais votada mostra, também, a forma de se locomover no cotidiano de muitas pessoas. E acredito que muito do tipo de violência que hoje vivenciamos advém, igualmente, desse tipo de mentalidade. Você é de "fora" da minha comunidade, do meu círculo de "iguais", então você não merece ajuda, respeito... se quiser procure entre os seus...

O caso de Ali, abaixo, creio que demonstra bem isso. Indiferença e violência tanto por parte dos espancadores quanto dos policiais, que ficaram totalmente OMISSOS. Excerto do blog whodouthinkur:

ALI tem 39 anos de idade, é filósofo, um estudioso da raça humana, professor de uma faculdade em São Paulo e, também, escritor. ALI é um cara tranqüilo, sereno, que ama a vida, ama seus amigos. ALI é uma pessoa muito pacífica, ao ponto de ser incapaz de fazer mal à uma mosca. No entanto, ALI tem uma particularidade, que o torna quase singular em comparação à maioria da população: ele é gay. Mas isso não faz dele menos ALI! Ele continua sendo o mesmo cara gente fina de sempre! A única diferença é que ele prefere, entre quatro paredes, estar com meninos ao invés de meninas. Algum mal nisso? Creio que não, já que cada um faz com sua vida particular o que bem entender desde que não prejudique a outrem. Isso é o que podemos chamar de RESPEITO pela diversidade. Todavia, em pleno século XXI, ainda tem gente que acha que os gays não são dignos de respeito...

Madrugada de sábado, 11 de fevereiro de 2007, ALI estava voltando da rua para sua casa com alguns amigos, passando pela Rua da Consolação, nos Jardins - inquestionávelmente, o reduto gay da cidade de São Paulo - à 100m da Av. Paulista, quase na esquina da Alameda Santos, quando foi cruelmente atacado por um bando de mais ou menos dez caras, armados de cacos de garrafas em suas mãos. Os covardes em questão trajavam preto, como cavaleiros da morte, e traziam consigo todo o ódio do mundo. Por quê? Talvez porque não tenham a coragem que ALI tem de encarar a vida, talvez porque não tenham a inteligência e sensibilidade de ALI, ou talvez ainda, porque para eles deva ser divertido espancar um ser vivo até quase matá-lo. Apenas diversão para terminar bem a noite. Pobres desalmados! Pobre ALI...

Vendo seu amigo sendo atacado, mais que rapidamente, seus companheiros se dirigiram a poucos passos de onde a agressão acontecia, onde havia uma guarita da Polícia Militar. No entanto, qual foi a supresa dos amigos de ALI ao descobrir que, sendo a polícia solicitada para ajudar, estes se omitiram perante à situação apresentada com a justificativa de que "aquela região não era sua jurisdição"! Que eficiência! Que humanidade!! Que presteza!!! Então, para a Polícia Militar ajudar ao cidadão em perigo, é necessário checar se este está na jurisdição na qual os mesmos policiais se encontram? O que faziam estes policiais ali, então, fora de sua jurisdição? Estavam "matando" trabalho? Ora, se cada policial tem sua jurisdição, onde estariam os policiais da jurisdição correspondente ao lugar onde o crime acontecia?? Não poderiam estes policiais que estão fora de sua jurisdição, comunicar-se via rádio com outros policiais que pudessem prestar socorro ao rapaz sendo covardemente espancado na calçada na frente de seus narizes? Se o dever dessas autoridades é defender o cidadão indefeso, como descrever o paradoxo desta situação?? Faltam-me palavras...

Parece-me que não faltam fatos concretos a mostrar o quanto essas questões atravessam, de todos os lados, o nosso cotidiano. Atravessam, sim, assim como ações solidárias que, infelizmente, não adentram muito nas mídias, pois na moral do espetáculo elas não vendem tanto... Tomara ainda as encontre para postar aqui também!

19 fevereiro 2007

O escrever II

Há tempos me indago sobre o porquê de escrever, sobre o que me motiva a escrever (ato que advém de um processo de leituras, dúvidas, reflexões, algumas certezas, ainda que provisórias...). A escrita mais imprescindível, me parece, nasce de uma inquietação, de algo que tem a ver com agitação, movimentação, apreensão, preocupação, perturbação. Tem a ver com estranhamento. Processo de estranhamento de nós mesmos, pois escrever é, de certo modo, inscrever-se. Assim, estamos naquilo que escrevemos, do mesmo modo que aquilo que escrevemos está em nós.

Dissertar a respeito é fácil, entretanto, na ação é que ocorrem as complicações. Ora, e por quê? Porque de fato muitas coisas me inquietam (mais precisamente, nos inquietam!!). E, talvez, aí esteja o "problema" quando temos prazos acadêmicos (e nos submetemos a eles), quando a academia insiste em querer se apoderar de nossa imaginação da forma mais cruel possível, nos podando com suas regras, normas, reprodução do status quo, com seus prazos que tendem a enjaular todos a um mesmo ritmo que, sabemos, é variável.

Com um mundo tão polissêmico, impossível fechar-se em si mesmo e centrar-se apenas no "tema" da pesquisa. Eu, ao menos, por mais que tente, não consigo! Ah, e eu queria muito ser mais centrada nisso (quem sabe um tapa-olho não ajuda?)!! Desde que comecei o mestrado vários arquivos já foram abertos com textos que eu gostaria muito de desenvolver. Começo, leio, penso... mas as obrigações acadêmicas me fazem voltar ao trabalho que, solitariamente, eu desenvolvo. Quando eu ainda era bolsista de iniciação científica eu sonhava em entrar no mestrado para, enfim, ter a liberdade de pesquisar o que realmente me inquietasse. E, como uma das maiores lições do mestrado, aprendo tanto que as inquietações vão sendo modificadas quanto que a minha pretensão de liberdade é ilusão, pois somos regidos por normas que não somos nós que fazemos, embora nós ajudemos elas a se imporem a nós. E para sobreviver nesse mundo talvez isso seja necessário. Ai, que tristeza esse tom tão desolador e "obediente"...


Entretanto, como forma de resistência a isso que, agora, não sei nomear, mas que eu sinto bem presentificado em mim, encontrei no
Patifaria (cujo post e pronto foi inspiração para esse post), uma frase muito significativa da autora do blog, a Marcia Benetti Machado: "para escrever, é preciso ter coragem de viver a imaginação". Achei belo, porque preciso reavivar isso em mim. Até minha proposta acho que conseguir lutar para deixar isso latente. A minha dificuldade atual está mostrando que a minha imaginação está sendo bloqueada por motivos outros (tais como: medo? Insegurança? Autocrítica?...).

Creio que isso se deve, ainda, a algo que ouvi muitas vezes nesses quase dois anos de mestrado, que era sobre para quem se escreve uma dissertação. Surpreendentemente, ouvi reiteradas vezes que se escreve para a banca examinadora. Eu nunca concordei com isso, pois acho que pensar assim limita muito o processo de criação, tão necessário a um trabalho que mostre o quanto de suor, lágrimas e também felicidade estiveram misturados no longo e trabalhoso processo de escrita. Eu sempre escrevi para mim e para o mundo. Para mim, primeiramente (não é egocentrismo não!!!), porque não consigo escrever algo que não seja inquietante, tanto que minha dissertação trata de como está se dando, atualmente, as produções de si e dos "outros" numa cultura tão marcada por discursos sobre o corpo. Esse tema começou a ser delineado quando vi pela primeira vez comunidades do orkut em que o foco das discussões gravitavam em torno do "odiar" pessoas "gordas". O tom racista de apartação e desprezo me mobilizou a procurar compreender como escritas como aquelas eram tornadas possíveis em nossa cultura, levando em conta a fecundidade da linguagem que produz e não apenas - e somente - conta algo.

Para o mundo porque considero esse tema, por exemplo, como de extrema urgência de ser analisado, para que alguma contribuição a tal problemática possa ser dada. Obviamente, sem a pretensão de causar grandes mudanças que, sabemos, não depende de um sujeito em particular, mas é algo que, somando-se a outras iniciativas pode ser algo a ser delineado, dando forma a uma ética, a outros modos de vida, que não apenas submetidas às ordens do discurso que, nos aprisionando a normas corporais, nos fazem julgar a nós e aos "outros".

Enfim, a imaginação não é ativada quando se escreve pensando em agradar uma banca, porque assim nos submetemos a outros e acabamos sendo muito egoístas também, pois essa submissão à banca mostra o nosso conformismo a um tipo de individualismo que demonstra a nossa subserviência para agradar e obter uma "nota", um "conceito" melhor. (O mais importante talvez seja deslocar perguntas sobre para quem se escreve, para pensarmos em para que escrevemos... pois escrever é processo de transformação! Ao menos seria bom que fosse...).


Entretanto, creio que isso fica mais fácil de ser efetivado quando estamos na escrita da proposta, pois estou vendo agora que por ter que "acatar" muitas das sugestões da banca examinadora ? que, diga-se de passagem, a minha foi sensacional!!! ? isso gera algum tipo de apreensão que tira um pouco a potência da escrita, pois isso se refere a um tipo de caminho trilhado de antemão para nós, impossibilitando que a criação se dê do modo que poderia ocorrer. Para mim isso está sendo um fator de limitação.

E fica uma bela lição da Marcia: "quando você quiser escrever, apenas escreva. reescreva. e pronto. não tem que ter por quê". Juro que vou lembrar disso na frente do word, pois assim talvez os tantos por quês motivadores desse post não fiquem me assombrando na hora da escrita, limitando a minha imaginação. Para isso, também vale deixar registrado o belo poema do
Paulo Leminski (publicado no Patifaria):

RAZÃO DE SER


Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

PS.: Há também O escrever.